18 de outubro de 2013

A surdez na mídia: cuidado com o que dizem por aí.

Há dois dias atrás, um programa de televisão exibiu uma reportagem cuja chamada era “Homem que nasceu surdo consegue falar em três línguas, toca piano e faz doutorado”. Por mais que possa haver uma boa intenção com a matéria, é preciso tomar cuidado com o que se ouve. 

Primeiramente quero chamar a atenção para o tom de paternalismo que perpassa por toda a matéria. Com certeza as conquistas de Armando devem ser comemoradas, porém é preciso compreender que os surdos são capazes de realizar o que eles quiserem, bastando, para isso, o livre acesso a língua de sinais. O que eles precisam é de oportunidades e conscientização da sociedade.

Outra questão que quero chamar a atenção de você leitor é quando a reporte diz “Mãos que ouvem”. Essa expressão me parece ser mais uma forma de tentar aproximar o surdo dos ouvintes. Tentado dar a ele um atributo que é tido como “norma”,
no caso o “poder ouvir”. O mesmo acontece com a expressão “[...] orelhas enormes pro mundo [...]”, dita ao final da reportagem. Segundo Gesser (2009), é a partir dessa tentativa de normalizar o sujeito – homogeneizar os indivíduos -  que surgem as estigmatizações e os espaços para o preconceito, que se dissemina e se mantém à medida que se propagam as representações da normalidade.

No entanto, a reportagem possibilitou desmitificar a crença de que todo surdo nasce sabendo ler lábios e que essa “modalidade” de compreensão da comunicação é nata dos surdos, mesmo afirmando, em determinado momento do vídeo, que o entrevistado tem a habilidade de fazer leitura labial. Na verdade ele aprendeu. Ele fala em “esforço”. Logo, não é algo que se adquire naturalmente. São necessários anos de treinamento e mesmo assim não é totalmente perfeita.

Porém, a edição cometeu outro equívoco ao afirmar, no texto publicado no site R7, que Armando foi o primeiro surdo a entrar para um programa de doutorado: “Mais do que isso, ele também aprendeu a se comunicar em três línguas e tornou-se o primeiro surdo a fazer doutorado no Brasil”. Na verdade, a Dra. Ma. Gladis Perlin foi a primeira surda a entrar para o mestrado no Brasil. E após ela, vários outros já ingressaram tanto para o mestrado quanto para o doutorado.

E por último, ao colocarem como defensor da causa dos surdos uma pessoa surda que aprendeu a falar e que valoriza o som tanto quanto a hegemonia ouvinte, na verdade, vai de encontro a luta da comunidade surda. Essa defende a identidade e a cultura surda, que têm no visual o meio de significação do mundo.

Um veículo de comunicação de massa, como é a televisão, deve ter um pouco mais de preocupação com o que apresentam, para não contribuírem com a propagação de ideias e conceitos errados sobre qualquer assunto.

E para finalizar, deixo um trecho retirado do livro “Libras? Que língua é essa?”, que é a fala de uma surda:

“A surdez é um problema quando a sociedade passa a me ver como um problema. Quando tenho a oportunidade de interagir com pares que me identifico através da língua de siais, quando tenho a oportunidade de estudar em uma escola que utilize sinais, quando tenho meus direitos assegurados, me sinto apta e capaz” (GESSER, 2009, p. 64).

REFERÊNCIAS:

GESSER, A. A Surdez. In: GESSER, A. Surdez? Que língua é essa? São Paulo: Parábola, 2009. p.63-80.

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