16 de abril de 2012

Relato de vida - Cleo Morais [última parte]


Após um período conturbado de tarefas extra-curricualres, o blog permaneceu parado por um tempo, mas estamos voltando a ativa novamente. Hoje terminaremos o relato da professora Cleo. Hoje você verá um exemplo de superação. Ela nos conta do seu retorno aos estudos, do período da faculdade e do seu início profissional.
Para quem ainda não leu o último post, a Cléo é uma mulher que quando criança contraiu meningite, que a levou a perda da audição, e que graças ao apoio da sua família conseguiu enfrentar a sua realidade e seguir na vida.


Meu dia-a-dia nesse período de recuperação era da fonoaudióloga para a psicóloga, ambas tinham papéis importantes em minha vida. A fonoaudióloga me auxiliava na leitura labial e a psicóloga me ajudava a entender a minha nova realidade.
Percebi muitas vezes que a deficiência ajudou a fortalecer esse meu novo lado, permitiu que eu me tornasse uma pessoa mais sensível e mais próxima do outro que também era deficiente. Passei a interessar-me mais por estes assuntos e utilizar a internet e o celular como mecanismo de comunicação.
    Decidi voltar a estudar com 22 anos. Na época não havia concluído a 5°série. Para sentir-me mais segura, sentava ao lado da professora, que me auxiliava tirando as dúvidas. Na sala, era utilizada para comunicação a LIBRAS.
Desde que finalizei a 8º série enfiei na cabeça que eu queria muito concluir o colegial. Me matriculei em uma escola comum e pedia  a uma colega pra me ajudar a fazer as lições que eu não havia entendido. O mais legal foi que toda a escola se sensibilizou e me ajudava emprestando os cadernos e me explicando o que eu não conseguia entender. Os professores sempre foram maravilhosos e compreensíveis.
Conheci uma moça que estava fazendo o cursinho da Educrafo que tinha a finalidade de ajudar o aluno a ingressar na universidade. Matriculei-me nele, e participei de algumas palestras e aulas, mas durante o curso desisti, pois na sala não havia intérprete e não entendia o que era ministrado nas aulas.
Prestei vestibular e logo passei em pedagogia,quando me disseram que eu havia passado nem acreditei viajei nos céus de alegria, pois acabei de me tornar uma universitária surda, é claro que o medo e receio do preconceito e rejeição das pessoas tomavam conta de mim na muitas vezes.
No primeiro dia de aula fui toda feliz pensando como seriam as aulas, as pessoas, a reação dos professores, que por sinal foi muito boa, é claro que alguns colegas e professores ficavam sem saber como falar ou dirigir algumas palavras a mim, perguntavam se eu estava entendendo o conteúdo das aulas.
Certa vez uma professora passou um filme e depois pediu que fizéssemos um relato do filme, mas o filme na tinha legenda e então perguntei como eu deveria fazer, ela respondeu que infelizmente não estava preparada para lidar com alunos como eu. Aconselhou-me a filmar o filme e a fazer a prova. Foi o pior dia da minha vida, primeiro por que ela falou para todos ouvir, sempre me sentia a menor pessoa da sala toda vez que apresentava uma dificuldade, essa dificuldade era vista como preguiça e não como uma barreira, no decorrer dos estudos sofri muito, mesmo por que lutei muito para conseguir uma bolsa de desconto e graças a Deus e com ajuda do meu pai pude estudar embora meses depois  Deus quis levá-lo de nós.
 Já formada, uma amiga e ex-professora da escola de educação especial me arrumou um trabalho de auxiliar em um colégio - nunca havia trabalhado em uma biblioteca. De início fiquei muito insegura, e por sinal não foi nada fácil. A bibliotecária era uma pessoa amarga nada compreensiva, falava que não sabia trabalhar com pessoas deficientes e por fim quase desisti por causa dela, mas tinha uma outra auxiliar, que se identificou muito comigo, amou minha diferença e logo quis aprender Libras, então ela ia me ensinando tudo, como proceder, como receber os alunos e muito mais.
Tinha dias que passávamos horas conversando e descobrindo um monte de coisas em comum. No colégio aprendi a conviver com as pessoas e suas diferenças, resumindo foi um grande aprendizado. Quando vi, logo já estava recebendo um convite para me tornar auxiliar de classe, confesso que tive um pouco de medo, mas  encarei com coragem e determinação, e foi uma excelente experiência trabalhar com  ensino infantil  com crianças de 3 a 4 anos, não tive nenhuma dificuldade em me relacionar com elas em relação a comunicação, pedia a elas sempre que falassem de frente olhando em meus olhos, explicava-lhes que eu não ouvia. Sempre que eu dava eu ensinava Libras a elas, mas com um certo receio das reação dos pais. 

Vemos neste relato também o quão despreparada a sociedade está para dar acessibilidade às pessoas com perda de audição. É preciso que a sociedade se adapte às minorias, e não elas é quem devem se adequar a sociedade. Isto é inclusão!

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